Parte dos ensinamentos mais importantes que o exercício e o ofício da crítica de cinema me trouxeram está na relação entre luz, objeto e sombra
Aqui a diferença: ser um mediador crítico é pensar que toda luz lançada sobre um objeto cria também suas sombras, e parte do jogo é saber o que colocar na luz e o que colocar na sombra, quando colocar na luz e quando colocar na sombra
O exercício crítico na arte, sobretudo quando mediado por pessoas pretas, bixas, lésbicas, bis, trans, cis, não binárias – acima de tudo e não necessariamente nessa ordem talvez sendo essa cosmologia inteira ao mesmo tempo – é uma outra forma de intervenção que essencialmente versa sobre o corpo, a carne e a vida de quem escreve sobre a vida e por isso também sobre cinema. Por isso carece o cuidado de perceber se estamos falando juntos e juntas ou sozinhos e sozinhas ao mesmo tempo
E não é o caso aqui de justificar ou sublinhar a conduta crítica de pessoas que vivem em constante estado de resistência como a exclusivamente política dentre todas as formas de crítica. Mas nosso tempo ensina isso todo dia: a crítica que fala apenas da arte, da primazia, da forma e da estesia, é ela também a mais política de todas as críticas
Por isso ainda acho que o primeiro fundamento crítico deveria ser pegar o Houssais e queima-lo
Aos Pretinhos e às pretinhas, sobretudo de pé na rua: vão te colocar em dúvida. Não duvidem.
Porque numa crítica e no ofício crítico cabe de um tudo, um tudo mesmo, tudinho, e nesse tudo cabe tudo, tudo mesmo, pense tudo, um tudo mesmo e mais um tudo, até silêncio.
Menos medo.
e pra não dizer que não falei do que tenho falado, deixo aqui um poema que escrevi há algum tempo:
Pathos
Nas mesas de bar
os senhores
de grossos
aros
engarrafados estipulam
métodos de análise
do amor quadrado
angular em grau pensado milimetricamente
arquitetado
um pra lá
dois pra cá
entre nós
comentam as tragédias de Édipo
o que pode é o que não pode
sábios soberbos mesmo que
veja bem,
se quem diz nunca diz
com sua voz mesmo que fale
o que diz permanece calado
e estes senhores de grossos aros
seguem pela noite
comentando e cometendo
o
pathos
o
ethos
os
conjugados
deixo que se enganem
os
doutores da tradição
os
senhores da iluminação
os
eruditos malditos
que não bebem cachaça
não
transam
não
gozam
não
vibram
os
destradutores
da desgraça
os
vibradores
da razão
mas não
é raiva não
eu acho
é graça
porque no literal
de pathos lê-se
patético
e no ethos
da conduta
o anestésico vem
da erudição etílica
dos condecorados
(mas deixe que se enganem)
carecem transformar em trauma torácico intermitente doravante inerente ao
preponderante dissidente centroavante em descalvado
o que no fundo
lá no fundo
bem no fundo
lê-se:
peito amedrontado
despeço-me dos confrades
e me abro pela noite,
a saber
a sabedoria
os sábios
também
chamados
ineruditos
iletrados
infinitos